quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

os "meia-bocas"

Foto: Robert Capa
Há muito tempo não escrevo aqui no Ideias Ordinárias. Motivo: fraturei o cotovelo, fiz cirurgia delicadíssima, fisioterapia pesada e só há poucas semanas a vontade de digitar voltou. E voltou também aquela vontade de gritar coisas que entalam na goela como um bolo de aniversário mal feito sem direito a refri: ESTOU DE SACO CHEIO DE GENTE “MEIA-BOCA”, assim mesmo, em caixa alta que é para representar meu grito com a velha semiótica.

Durante as semanas que fiquei offline, apesar de não digitar muito, acessava a internet com mais voracidade que o habitual. Ficar de molho em casa pra muitos pode até ser uma benção, mas para mim, um cara ligado numa tomada de 220 volts, foi barra pesada. A internet me salvou do desespero caseiro mas me mostrou que existem outras coisas ainda mais desesperadoras e que nos rodeiam.

Pois bem, vou pelo caminho que mais domino é lógico: a fotografia. Estou espantado com a quantidade de fotógrafos “meia-boca” que surgiram. Muitos se auto intitulam profissionais pelo simples fato de ganharem uma graninha “meia-boca”, por praticarem um ofício “meia-boca”. Não estou dizendo aqui que minhas fotos são o supra-sumo da fotografia (não cheguei nem perto disso), nem que estão impedidos do direito de se profissionalizarem e buscar um lugar ao sol, mas me irrita profundamente a falta de zelo de muita gente com o próprio trabalho, sobretudo pela falta de modéstia desses que compraram uma câmera digital ali na esquina, para sair por aí apertando botão com todos os controles e setups ligados no automático.

Vejo que essa turma apareceu com um olhar “meia-boca”. e 90% não aprendeu até hoje a fotografar o branco, por exepmplo. Isso mesmo, o danado do branco, um branco “meia-boca”. Essa mistura de todas as cores, essa cor multifacetada que atormenta a maioria dos fotógrafos quando estão começando o ofício. E eu digo de cara porque isso acontece: o aprendizado desses aí é “meia-boca”. O uso do diafragma (elemento tão importante para se controlar a luz que passa pela objetiva) é usualmente ignorado, é um uso “meia-boca”, o valor do ISO sequer é conhecido. É um conhecimento “meia-boca”. O equipamento é de primeira, lentes caríssimas, câmeras de última geração, mas a pessoa que controla isso tudo é “meia-boca”.

A tecnologia ajudou bastante a popularizar essa arte que tanto amo e que pratico a mais de 20 anos, mas em compensação ajudou a deixá-la “meia-boca”. Me lembro das primeiras fotos que fiz com meu finado pai e mestre na arte da fotografia, onde ficávamos excitados aguardando o resultado dos clicks e nos divertíamos muito a cada filme perdido, pois o resultado nem sempre era aquele que prevíamos, mas ficávamos fascinados com a fotografia surgindo no papel a nossa frente naquele quartinho escuro, quente, mofado e com um cheiro insuportavelmente delicioso do interruptor de revelação (que se assemelha muito com o cheiro do vinagre). Hoje, esses apertadores de botão “meia-boca”, sequer tem o prazer de se intoxicarem com esse cheiro. De ver o milagre da física e da química aparecerem como mágica diante de seus olhos “meia-boca”. E não me venham com conversinha “meia-boca” dizendo que não se acha filme e nem produtos químicos para comprar porque isso é papo furado. Acha sim, não em qualquer birosca, mas acha. Tenho o prazer de usar a Pentax MX herdada daquele que me ensinou a fotografar, com filmes preto e branco, colorido, 35mm e tudo que tenho direito. Fotografia pra mim não é coisa “meia-boca”.

Enfim, queridos amigos, me desculpem se fui grosseiro, se fui arrogante ou chato, mas se tem uma coisa que me deixa triste é pensar que as pessoas tem a delícia da oportunidade em executar aquilo que ficou ao alcance, e fazer isso na base do “meia-boca” é desperdiçar desgostosamente essa oportunidade.

Por isso cito Robert Capa, fotógrafo de guerra, precursor do fotojornalismo e um dos criadores da Agência Magnum, junto com o lendário Cartier Bresson: "... minhas imagens são ligeiramente fora de foco, um pouco sub-expostas e a composição não é nenhuma obra de arte" - Robert Capa ou Endre Ernő Friedmann (seu verdadeiro nome húngaro)

Sou o que descubro da vida. Entendi, a duras penas, que o tempo é uma matéria e que, apesar disso, não pode ser mudado. Eu que mudo, me...